Sedução e Destruição
Vários significados são atribuídos à palavra Sedução.
Primeiramente, ela é considerada uma forma de atração que está presente em nossa vida quotidiana. Basta observar as várias formas de estratégia de marketing que nos invadem os olhos e ouvidos, as tentativas que usamos para convencer nossos filhos da importância do estudo, ou quando estes tentam nos convencer a comprar um brinquedo novo. Na busca de um emprego, ao nos vestirmos de modo mais cuidadoso e tentador quando vamos sair com o namorado, ao expormos uma idéia em um congresso de maneira persuasiva, segura e enfática, ao telefonarmos a um amigo que não está muito disposto a ver a peça de teatro que nos interessa... enfim, estamos sempre, de alguma forma, seduzindo e sendo seduzidos.
Estas atitudes podem ser definidas como assertivas ou como armas necessárias à sobrevivência, à competição e à independência.
Por outro lado, a psicopatologia conhece bem os indivíduos anti-sociais, que se especializam em um comportamento sedutor. São frios, dissimulados, egoístas, incapazes de sentir culpa e com um limiar de tolerância muito baixo à frustração. São encontrados em vários níveis da escala social, desde heróis de guerra a líderes políticos, de autores de crimes hediondos e que estão nas prisões a arrivistas que jamais são presos.
Há uma forma mais sutil de sedução. Este será o objeto de nosso estudo.
Trata-se de uma forma sombria, perigosa, destruidora, pois revolve as esferas do inconsciente e deixa o indivíduo vulnerável a forças incontroláveis. Pode levá-lo, seduzido, a agir como se fosse cego aos apelos da lógica, do bom senso e, muitas vezes, da moral. Ou o transforma em sedutor, um predador decidido a engolir a presa e que tudo fará para conseguir esse objetivo. Não é tão inócua quanto a primeira forma descrita, nem tão patológica quanto a segunda, mas sempre traz conseqüências danosas e nefastas que , por já serem tão comuns, nem sempre nos leva a ver que algo poderia ser feito para mudar os fatos - sobretudo antes deles ocorerem.
Podemos ver referências a esta forma de sedução em vários temas religiosos e míticos .
A serpente convence Eva a comer a maçã proibida. Eva é atraída com a promessa de que terá acesso à sabedoria. De seduzida, passa a sedutora de Adão e o induz a fazer o mesmo. Ambos, como castigo, são expulsos do Paraíso.
Sansão era forte, invencível. Seus inimigos instruíram Dalila, que consegue levá-lo a confessar onde estava a sua força. Segue-se a perdição do herói.
Medusa, a mais temível das três Górgonas, tinha o poder de atrair e transformar em rochas quem a olhava.
As Sereias são descritas como seres que seduzem pelo canto.Quem as ouve, encontra o encanto e a perdição.
Aí está a conseqüência funesta da sedução, presente em todas as referência a este tema : ela leva à perda, à destruição.
As plantas carnívoras são um exemplo do poder da sedução que a natureza nos oferece. A sua beleza, colorido e perfume, são uma armadilha que atrai os insetos para a morte.
Porém, outras citações refletem a capacidade de resistência e vitória sobre o poder da sedução.
Na Odisséia está a narrativa das aventuras de Ulisses. Ele desejava ouvir a voz das sereias sem ser morto. Fez-se amarrar ao mastro do barco e aproximou-se da ilha onde elas habitavam . Conseguiu, assim, ouvi-las sem ser perecer.
Satanás tenta seduzir a Cristo, oferecendo-lhe todas as riquezas do mundo e não consegue o seu intento.
O relacionamento humano nos oferece, da associação de sedução com a destrutividade, exemplos que freqüentam todos os dias as conversas e noticiários. Provocam reações diversas, desde "teve o que merecia" até "hoje todos fazem isso".
Como terapeutas, os nossos consultórios são o palco do outro lado do drama: aqueles que chegam com os mais diversos sofrimentos e conseqüências comuns aos autores e vítimas da sedução.
Paulo estava casado há 15 anos. Relacionamento estável, com certo desgaste e monotonia imposta pelo passar dos anos. Formavam o que se pode definir como um casal "feliz": situação financeira estável, filhos saudáveis, divergências de opinião resolvidas com respeito. Até que um dia... Paulo começou a ver em Marta defeitos que jamais percebera, ainda mais quando a comparava com Maria, a nova colega de trabalho. Esta, sim era mulher!
Inteligente, atraente, linda. E dona de um olhar que prometia e negava, ao mesmo tempo. Um olhar misterioso e profundo que despertava curiosidade e fascinação, como o Oceano. Paulo mergulhou naquelas águas, sua vida familiar virou um inferno até desfazer-se de vez, numa explosão de mágoas, acusações e culpas.
Mas o prêmio estava ali, ao alcance da mão. Maria o conduziria a mares nunca dantes navegados, à felicidade eterna.
Pouco tempo foi necessário para mostrar que Maria era bem diferente do que parecia. Para falar a verdade, pensava Paulo, bem o oposto. E, interessante, muito parecida com o retrato de bruxa que ele pintara de Marta no final do casamento. E agora?
Roberto sempre foi um rapaz pobre e trabalhador, impelido por um sonho: mudar de vida. Sua ascensão social deu-se a duras penas : muito trabalho e estudo, muitas noites sem dormir, algumas humilhações engolidas e guardadas.
Seu ideal de pertencer ao "grupo dos ricos", como ele chamava, começou a tomar forma quando conheceu Rute. Encantadora, hábitos refinados. Quando ele poderia imaginar que uma pessoa desse gabarito pudesse gostar de alguém como ele? E como ele poderia acreditar que se tornaria, um dia, o braço direito dos negócios do sogro?
Anos de embriaguez com o sucesso se passaram até ele começar a perceber a resposta para essas indagações : descobriu o quanto a mulher era insaciável.
Jamais se contentava com o que tinha, desde roupas a carros, viagens, casas.
No início, ele ficara fascinado em ser o provedor. Trabalhava mais e mais, já não encontrava quase tempo de ver Rute, não a acompanhava nas viagens. Comia demais, bebia além da conta. E , pior, também não se sentia satisfeito, apesar das compensações, como aparecer sempre nas colunas sociais, ser bajulado, jamais cobrado por sua origem humilde. Vencera!
Foi quando um amigo propôs uma forma mais fácil de ganhar mais dinheiro.Não era legal, mas isso não importava, pois jamais seria descoberto. Quantas pessoas faziam a mesma coisa? Ele usaria a infra-estrutura e proteção da empresa do sogro, não, ninguém desconfiaria. Poderia trabalhar menos, viajar com Rute, como nos velhos tempos. Essa nova fase durou até que tudo veio à tona. Perdeu a mulher e o emprego, está envolvido com a justiça. O amigo safou-se.
Dada à constância e periculosidade do tema, qual a conduta terapêutica a seguir?
Uma solução , a mais freqüente, é uma interferência à posteriori. Cuidar das cicatrizes, reduzir a dor e a culpa. Rever o que aconteceu e tentar estabelecer pontes com o passado, buscando ensinamentos para que tudo não se repita no futuro.
É inegável a importância dessas abordagens , mas a seqüência de sofrimentos desencadeados pelas reações impensadas da sedução já deixou o seu rosário de mágoas e traumas em muitas pessoas envolvidas, não somente nos responsáveis.
Outra estratégia é agir por antecipação. Quando uma pessoa aparecer em nosso consultório "enfeitiçada" por uma sedução, não entrar no jogo do inconsciente ao insistir na pergunta : "É isso o que você quer?" "Já pensou bem se é isso mesmo o que você quer?"
Não, essa pessoa não sabe o que quer. Também está incapacitada de pensar com lucidez. Vive, impotente, a luta entre o desejo e a razão, com amplas chances de vitória para o primeiro.Ela precisa ser tratada como uma pessoa provisoriamente incapaz e protegida contra si mesma.
Com respeito humano e técnica, o terapeuta pode impedir as atuações, interpretar e trabalhar os conflitos e motivações inconscientes. Até que, aí sim, o indivíduo esteja pronto a tomar as suas próprias decisões de forma consciente e amadurecida.
Simone Mello Suruagy - Psicóloga