Sexo X Casamento
Paulo e Fernanda fecham a porta do apartamento.
Acabaram de sair os dois casais amigos, que vieram naquela noite para a comemoração das bodas. É, cinco anos se passaram! Fernanda está cansada. Passa a mão pela barriga, sente o volume dos seis meses de gravidez e olha para a bagunça da sala. Tenho que arrumar tudo isso, pensa. Claro que a Maria amanhã fará a limpeza pesada, mas as coisas não podem ficar daquele jeito, muita coisa tem que ser posta no lugar.
Ainda bem que a Claudinha já foi dormir. Com três anos , ela está ficando insuportável, cheia de gostos. Precisa de uns limites, essa menina. Não foi para isso que deixei de trabalhar quando ela nasceu.
O jantar foi perfeito, ainda bem. Aquelas duas precisam aprender como se recebe. Aliás, estou cansada também daquela turma, presente em todos os acontecimentos de minha vida. Eles estão em todas, mesmo, não dão uma folga. Aí todo mundo vai embora, eu é que tenho que ficar trabalhando.
E o Paulo, que só sabe fazer tudo com eles por perto? Isso está muito chato, tudo é em bando. Fiquei esperando sair com o Paulo, nós dois sozinhos, como no começo. Mas está tudo diferente, agora parece que o Paulo só pensa mesmo em trabalhar e encher a cara nos fins de semana. Nem transar mais ele procura, há dois meses !
Bem, é melhor começar a arrumar logo esta droga!
Paulo escova os dentes. Estou tonto, acho que bebi um pouco demais, mas amanhã é feriado, dá para dormir até tarde.
E a noite foi ótima, como é bom conversar com o Antônio e o José. Esses sim é que são amigos, assunto não falta, piadas, fofocas. Já que trabalham na mesma Empresa, sempre falam em trabalho, lógico. E agora, que fui nomeado vice-diretor, estou notando uma ponta de inveja no elogio deles. Mas, para mim, vai ser o máximo, vou aumentar as minhas reservas, dinheiro nunca é demais.
Aliás, a Clarita está cada dia mais linda, que corpão! Também, não para de malhar . Não fosse ela mulher do José, a coisa ia render. Mesmo assim, trocamos uns olhares cada vez mais significativos me dá um calor! Não sei em que isso vai dar!
Será que eu devia dar uma mão à Fernanda? Ela acaba de quebrar alguma coisa, ouvi o barulho. Que diabo, a Maria pode fazer tudo amanhã, onde se viu essa mania de arrumação? É um saco, é nisso que dá mulher não trabalhar.
E eu tenho que ser o burro de carga. Já não chega eu ter que pagar tudo? Vou é dormir logo, quando ela chegar estou dormindo , não quero conversa. Amanhã é dia de jogo do Guga, preciso me preparar.
NO COMEÇO ...
O relato acima reflete o quanto os relacionamentos sexual e afetivo podem ser minados com o passar do tempo.
De início, há o apaixonamento. Os sentidos estão à flor da pele, o desejo, não saciado , excita e impulsiona o relacionamento para uma aproximação cada vez maior. É a época da simbiose, do dois em um. Noites insones, ciúmes, insegurança, possessividade, devaneios, medo intenso de perda. Tudo o mais fica em segundo plano.
A idéia de eternidade predomina , os defeitos são negados e tantas vezes interpretados como virtudes. Há uma cegueira seletiva, uma noção de realidade muito pobre. Tudo gira em torno da outra pessoa, que é divinizada: é perfeita, linda, ideal.
Os hormônios estão em sua produção máxima. O sexo clama e reclama, com uma intensidade tão grande que a atual liberação sexual e a facilidade de encontrar parceiros sem comprometimento, são suplantadas pelo propósito de ficarem unidos para sempre.
E decidem casar ou viver juntos.
CASAMOS !
Enfim, sós ! Tudo são flores!
Noites insones sim, mas de puro prazer, de descoberta. Tudo é permitido, os limites não existem, a experimentação atiça a criatividade. A idealização continua, bem como a certeza de que foram feitos um para o outro.
Continuam anti-sociais, se bastam. O trabalho, que recomeça, é um acúmulo de horas de interminável espera pelo lar, doce lar.
E O SEXO, ONDE ESTÁ?
O tempo vai passando , e o tempo tem um preço : a realidade começa a se impor. O cansaço e a saciedade fazem com que as relações sexuais se tornem a mais espaçadas. Os desafios profissionais ocupam e preocupam. A crise financeira ocupa o seu espaço, as incertezas do futuro se insinuam, corroendo as energias, que não são mais canalizadas predominantemente para o sexo.
As diferenças individuais começam a aparecer e pesar. Os amigos, antes relegados , voltam ao convívio. As distrações, os interesses, não são mais comuns.
A DECADÊNCIA
Começam a aparecer os defeitos. Os sentimentos reprimidos de infância dão um cunho repetitivo ao que ,antes, era pura novidade. Ou seja, ele e ela não são mais ele e ela, são a transferência e projeção das figuras do passado, que ressurgem das cinzas do inconsciente e novamente deformam a realidade.
A vida sexual declina, em intensidade e qualidade. Como se vai desejar uma pessoa que é a versão projetada de pai e mãe?
As brigas se acentuam. Os filhos chegam. O casal não existe mais, existe uma família. O diálogo é substituído por conversas superficiais, ou longos silêncios . A sobrevivência imediata, os problemas financeiros, são os temas predominantes, sob formas variadas, inclusive brigas e insultos. O sexo, quando acontece, dá um alívio à relação, mas logo a rotina se instala. Outras vezes, ocorre por dever ou culpa por não cumprir esse dever.
PARAR PARA PENSAR
Esta é a fase crucial, que irá definir o que acontecerá depois.
Se esses dois têm a sorte de repensar o relacionamento, neste momento as feridas e mágoas não são ainda muito profundas. Mas dificilmente eles o farão sozinhos .
A figura profissional do Psicoterapeuta é fundamental para levar essas pessoas, que se distanciaram, ao reencontro. Para limpar o entulho que ressurgiu do passado. Para promover um relacionamento como nunca existiu, sem as distorções de antes.
Não irá levá-los ao paraíso, mas a uma realidade onde as limitações não sejam vistas ou usadas como impedimento. Onde os sentimentos sejam expressos sem medo ou vergonha.
Onde o casal tenha o seu espaço e consiga usá-lo sem culpa, apesar das responsabilidades familiares que se aumentam.
Onde o sexo ocupe o seu lugar, como uma parte importante na vida do ser humano e que precisa ser compartilhada com prazer , enquanto essa vida existir.