Entrevista
Para complementarmos o nosso trabalho realizamos uma entrevista com a Dra. Lélia Lage Bastos, médica neurologista pela Faculdade de Medicina da USP, com Doutorado em Reumatologia também pela FMUSP, membro de diversas associações como a Royal Society of medicine da Inglaterra, a American Association of Neurology e ISONEUREM dos EUA e atualmente desenvolvendo pesquisa de pós-doutorado na área de Psiquiatria da University of Central Florida na cidade de Orlando nos EUA.
Perguntas
1) Quem normalmente levanta a hipótese de algum problema com uma criança com ADD? São os pais, a escola, parentes?
R: É a escola. Normalmente a criança passa algum tempo em programas de apoio escolares, com pedagogos, até chegarem em um médico. Normalmente quando chegam ao médico já estavam apresentando problemas com ADD por vários anos.
2) Quais as queixas normalmente trazidas em pacientes de ADD?
R: As queixas mais freqüentes são: Dificuldade na escola, repetência, falta de coordenação, medo de problemas mais graves como tumores cerebrais e um sentimento de culpa dos pais que acham que passaram alguma doença grave para a criança.
3)Existem outras doenças que podem apresentar sintomas semelhantes ao ADD? Como é feito o diagnóstico diferencial?
R: Sim, doenças como Epilepsia, onde a disgrafia é comum, assim com a falta de atenção; além da síndrome de Gilles de la Tourette, doenças degenerativas e de desmielização do sistema nervoso, assim como a leucodistrofia podem apresentar sintomas semelhantes ao ADD no seu início.
O diagnóstico diferencial é feito com cuidadosa anaminese, exames neurofisiológicos como EEG e estudo de Potencias Evocados e técnicas de neuroimagem como PET, MRI além de exames de sangue, análise cromossômica e histórico familiar.
4) Qual o tratamento normalmente indicado para os casos de ADD?
R: Atualmente se usa muito os antidepressivos SSRI. Antigamente se usavam mais drogas da famílias das anfetaminas como Ritalina e dextroanfetamina. Se faz isto devido a hipótese de que em crianças com ADD os centros de vigília do cérebro estariam relaxados, a função destas drogas seria a de ativar estas áreas do cérebro.
5) Sabemos que o ADD tem bases biológicas. A genética e os estudos com EEG, PET e fMRI e outras técnicas de exame tem demonstrado isto de maneira muito forte. Qual o papel que uma psicoterapia pode ter em uma doença como esta?
R: Normalmente quando a criança começa o tratamento ou chega em um médico, ela já passou a vida inteira sofrendo de desprezo ou superproteção. Isto leva a distúrbios emocionais e de personalidade que precisam ser tratados. O psicólogo também pode auxiliar na mudança de atitudes de todo o círculo social da criança, ajudando a renovar a confiança na criança com ADD.
6) Frequentemente psicólogos, tendem a negar a influência de fatores biológicos nos seus pacientes, no caso de ADD não nos parece ser diferente. Esta visão excessivamente psicológica, muitas vezes leva o paciente a sofrer com terapias que não são eficazes por longos períodos de tempo. Como você acha que este problema pode ser sanado? Você já teva algum caso assim?
R: O problema vai ser resolvido quando houver uma maior comunicação entre os profissionais das áreas de saúde, através de equipes multidisciplinares. Já tive vários casos na situação mencionada na pergunta. Há uma tendência maior disto acontecer em pessoas de nível econômico mais alto, que além de poder arcar com o alto custo de uma terapia, tendem a evitar procurar um médico por causa do estígma que uma criança em tratamento neurológico ou psiquiátrico pode ter.
7) Qual a reação do paciente e/ou dos pais ao saberem que todos aqueles comportamentos aparentemente não relacionados tem origem em um transtorno que pode ser tratado?
R: Eles ficam aliviados, mas acabam fantasiando quanto ao tratamento acreditando que os sintomas vão desaparecer por completo de uma hora para outra. Na verdade o tratamento é lento e normalmente há uma diminuição nos sintomas, mas dificilmente eles somem por completo.
8) Qual é o tempo médio de tratamento?
R: Nunca inferior à 2 anos e normalmente vai até a adolescência, onde os hormônios sexuais favorecem a maturação do sistema nervoso trazendo melhoras não só em ADD, mas também nas epilepsias e Gilles de la Tourette.
9) Qual sua opinião com relação ao suposto uso excessivo do metilfenidato que ocorre nos EUA?
R: nos EUA, o médico é visto como um deus, mas muitas vezes não consegue satisfazer as esperanças que as famílias depositam nele quando encontra alguma coisa que não compreende muito bem. Ele passa então a receitar remédios para se convencer que está fazendo algo pelo paciente.
10) O índice de ADD no Brasil é de 3 a 6%, nos EUA de 3 a 5%, mas este índice é muito menor em países como a Grã-Bretanha (1 a 2 %). Isto leva os britânicos a acusarem os americanos de diagnosticarem ADD em excesso e os americanos fazem a crítica inversa. Na sua opinião, esta diferença se deve à diferença de formação dos profissionais de saúde, à cultura, ou a algum outro fator?
R: Esta diferença se deve à formação dos profissionais de saúde, além de outros fatores. Na Inglaterra, e em muitos países da Europa, a mãe ganha do governo um salário para ficar em casa cuidando do filho até que este tenha 3 anos de idade. Provavelmente nestas condições a mãe tem mais contato com os filhos acredito que isto possa reduzir os comportamentos ligado à ADD.
Bibliografia
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Fernando Lage Bastos & Lélia Lage Bastos