Alimentação - Saúde ou Doença?
De acordo com a maneira da Psicologia traduzir os fenômenos, não podemos dissociar o conceito de doença daquele de indivíduo doente, que manifesta, de forma única e por causas absolutamente pessoais, o seu adoecer. Assim, precisamos conhecer todas as facetas que tornam uma doença específica, para uma pessoa, necessária de ser tratada diferentemente de outras com o mesmo mal.
Atualmente, o campo dos distúrbios alimentares, por sua diversidade e complexidade, é um dos que mais preocupam os profissionais de saúde. E, neste campo, também é importante não perder de vista o universo particular de significados que representam os distúrbios para cada ser.
A alimentação há muito,perdeu a sua finalidade original: deixou de ser uma necessidade de sobrevivência para associar-se a outros símbolos, nem sempre saudáveis, para o indivíduo e seu meio. Este símbolo usado constitui um dos males de nossa época.
Dentro desta concepção abrangente da pessoa e sua doença, por exemplo, a obesidade proveniente de um distúrbio glandular pode ser , para alguém , uma porta aberta para uma vida carregada de auto-imagens negativas que podem aumentar a carga de ansiedade e esta, por sua vez, ser transformada em mais ingestão alimentar que, por sua vez, será prejudicial à glandula disfuncional. É um ciclo vicioso que, abordado conjuntamente pela equipe médico-psicológica, irá resultar em benefício para o paciente.
A pessoa que come demais por carência da representação interna da figura materna, tem uma imagem distorcida da comida. É com se algo tivesse ficado faltando em sua infância, algo de que ela não se dá conta e que ela supre com o excesso de alimentação, ou de drogas, ou com uma atitude "canibalística", sôfrega,diante do mundo. Um mundo que existe para ser deglutido e depois jogado fora, seja representado por relações afetivas, trabalho, amigos, etc. Ou que pode ser retido numa imensa "barriga", que guarda vorazmente dinheiro, poder, ou quaisquer representantes daquela mãe não internalizada convenientemente e que precisa ser guardada a qualquer preço, resultando nos casos mais variados de obesidade, prisão de ventre e frustração.
Existem aqueles que usam a comida como uma fuga da sexualidade. Já foi dito que a gordura cria uma "camada isolante" como a que envolve um fio elétrico. Esta capa de gordura impede que o indivíduo se aproxime dos demais, além de uma certa distância. Assim, os outros são mantidos afastados - e a culpa é da gordura. Quantas vezes um terapeuta já ouviu: "não tenho namorado porque sou gorda'?
A comida também pode ser usada como compensação da repressão sexual . A pessoa come como um bebê, para preencher a "fome"de carinho, afeto, sexo, que são proibidos. Enquanto "transa com a geladeira", o que realmente amedronta, que é o contato humano, é mantido à distância. Quantos deprimidos escondem a sua depressão comendo, ou demais ou de menos? Um diabético comia, quando estava aborrecido, quilos de chocolate. Com isso, ele se auto-agredia, quando realmente queria agredir quem o aborrecia. E mantinha a preocupação da família o tempo todo voltada para sí, como uma criança que se machuca para receber atenção, mesmo que esta atenção venha sob forma de palmadas. Quantos deprimidos emagrecem demais, pois junto com o prazer de viver perdem o prazer de comer?
Uma pessoa pode ser bulímica por culpa. "Realiza" todos os seus "pecados" ao comer demais, e livra-se deles com o vômito provocado, num vai-e-vem constante e infindável, pois, após "limpar-se"daquela culpa , está livre para "pecar" novamente. Existe aquele que vomita por agressividade contida, e o vômito simboliza livrar-se daquilo que o sufoca e que não pode ser dito. Lembro da cliente que encobria com superproteção a raiva que sentia de uma pessoa próxima. Após expressar verbalmente esta raiva em uma sessão, correu para o banheiro e vomitou ruidosamente, como se estivesse expelindo a alma. O trabalho sobre estes sentimentos e sintomas foram o ponto de partida para que esta cliente conseguisse lidar de forma mais madura e impor limites à pessoa alvo de sua raiva, sem deixar-se "vampirizar"pelo sentimento de culpa.
O campo da anorexia é muito vasto. Conhecí uma anoréxica de 18 anos que me pareceu, à primeira vista, ser uma garota de 11, tal a ausência de caracteres sexuais secundários. Trazia dentro de sí uma culpa sexual enorme, daí defender-se daquela forma: seu corpo recusava-se a amadurecer e para isto ela não podia comer. Com o tratamento, hoje é uma mulher atraente, sexual e profissionalmente ativa e mãe.
Outra pessoa fora gorda na adolescência e, apesar de fazer todas as dietas da moda, jamais se achava magra o suficiente, embora fosse magérrima.
Quantas adolescentes, hoje, procuram imitar as manequins e chegam a prejudicar a saúde por achar que este é o modelo ideal de beleza?
Assim, o ser humano que sofre, pode manifestar as suas dores de várias formas. As emoções não elaboradas, guardadas no inconsciente, procuram encontrar as suas vias de saída. E, como o aparelho digestivo é um dos mais primitivos no desenvolvimento embrionário do indivíduo, representa constantemente um conjunto de órgãos de choque ideais para expressarem a linguagem do que está retido na caixa de guardados do inconsciente. Abrir esta caixa através de uma psicoterapia, decodificar essas mensagens, trabalhá-las, torná-las inteligíveis para o ser adulto, é liberar estes órgãos para o desempenho de suas funções específicas e libertar o indivíduo para uma vida mais saudável e feliz.
Simone Suruagy - Psicóloga