A Concha
Um ser estranho ameaça a ostra. Ela se fecha, esconde suas pérolas e sua vida. Defende-se com o isolamento.
O que nos leva a agir como uma ostra? O que nos faz entrar em um casulo , nos afastarmos e fugir do mundo?
Paulo fugiu. 19 anos, inteligente, filho de família exigente e pouco afetiva. Conseguiu participar precariamente, dos relacionamentos interpessoais até os 19 anos, quando teve o primeiro surto esquizofrênico.
Fechou-se em seu quarto, seus horários não eram mais compatíveis , dormia quando os outros acordavam e vice-versa. Até hoje vive isolado em uma "realidade" que só ele conhece e mais ninguém. A doença o isolou. Será que o protegeu?
Adriana foi rejeitada pelos pais. Aquela que "não devia ter nascido", pois a família já era grande o bastante.Era sempre a estranha, sem voz e sem vez.
Mas conseguiu crescer, estudar , empregou-se, apesar da ansiedade e medo sempre presentes. As coisas complicaram quando encontrou o "homem da sua vida'.Apaixonaram-se loucamente, com aquele sabor de eternidade das paixões.
Criaram um mundo só deles, ninguém entrava naquele paraíso particular. Tiveram filhos, que ajudaram a compor a relação familiar fechada. O mundo era sempre visto com reservas, cheio de defeitos e a única segurança existente estava naquele casulo amedrontado e paranóide, onde a voz de Adriana era a única respeitada, onde ela dominava a tudo e a todos.
Estes são exemplos de exclusão forçados pela natureza , pelas doenças pessoais ou "plantadas" em nossas vidas. Mas hoje estamos diante de um fatos novos , que nos levam ao mesmo enclausuramento. O ser humano, naturalmente gregário, transforma-se em uma concha, em um casulo, levado por forças sociais perversas e sem controle. Acima de tudo, tem medo.
A violência está em toda parte. Bate á nossa porta, entra pelos nossos ouvidos, faz morada em nossa alma, altera o nosso comportamento.
As instituições públicas não despertam segurança ou confiança. O cidadão vê-se entregue à própria sorte e foge como pode, para onde pode.
Antônio é um empresário de sucesso. Lutou, ganhou dinheiro. Pronto para curtir os bens que tão penosamente guardara, começou a usufruir. Comprou dois carros importados, uma bela casa. Viajava todos os anos. Filhos crescendo nos melhores colégios. Antônio foi vítima de um seqüestro relâmpago que modificou a sua vida e da família. Mudou-se para um condomínio fechado, onde não se sente seguro.
Trocou os carros por modelos nacionais simples e mandou blindá-los. Contratou seguranças.Tem pesadelos à noite e crises de angústia durante o dia. Treme só em pensar que os filhos podem querer sair. Como eles querem, o conflito está feito. Seu trabalho está em declínio, todas as suas forças estão concentradas em manter o "inimigo" à distância. Elegeu a sua casa como o seu refúgio, dali não sai nem permite que os outros saiam.
Revestiu esse casulo de conforto : os últimos computadores, aparelhos de som modernos, TV Room. Acabaram-se as viagens, os restaurantes, as saídas com amigos. Companheiros de toda a hora, só o pavor, a desconfiança, o sofrimento.
Antônio sofre de stress pós-traumático e recusa-se a se tratar. Montou suas defesas e não quer sair delas. O seu futuro? Depende de muitas circunstâncias, mas o que se prenuncia, se não for tomada alguma medida, é que o rumo que deu à sua vida e que tenta impor à sua família cause, ou submissão geral à "vontade do papai"ou a desfechos imprevisíveis, desde a dissolução familiar ao desencadeamento de um quadro patológico irreversível.
Luísa foi assaltada. Apanhou dos bandidos, sofreu ameaças de estupro. Salvou-se por sorte, mas passou vários dias no hospital para curar os ferimentos. As feridas da alma, essas estavam se desenvolvendo e frutificando. Uma de suas primeiras reações, passadas as crises de choro e pânico, foi desconhecer o ocorrido. Agia como se nada tivesse acontecido, intensificou os programas, voltava para casa ainda mais tarde, suas reações passaram a ser desafiantes temerárias. Seu riso era mais alto, procurava chamar atenção com roupas provocantes. Exibia sempre uma segurança sem limites. A família estranhava, mas por outro lado dava graças a Deus por ver a filha "tão bem".
Até que o frágil equilíbrio rompeu-se. Tudo o que estava guardado veio à tona. Deprimiu-se, fechou-se em casa, qualquer pessoa que tocava à porta a estava ameaçando. Ela que havia posto o seu medo e suas emoções em uma concha, viu que eles reapareciam tão ou mais fortes quanto naquele dia trágico. Reagiu virando a ostra.
Sua família sentiu e entendeu a extensão do que ocorreu. Luísa foi tratada do Stress Pós -Traumático, a família recebeu terapia de apoio e hoje todos reiniciam juntos os passos em um mundo mais real, onde os riscos existem e não são superdimensionados, onde cautela não se confunde com fuga, onde estar em casa é uma opção e não um refúgio em uma "ilha da fantasia" , tão inexpugnável quanto vulnerável.
Francisco, hoje com 42 anos, veio a terapia com a queixa de solidão. Notava que sua vida havia mudado de uns tempos para cá. A dele e de alguns amigos próximos, que agora só se falavam, esporadicamente, por telefone. Lembra que estes mesmos amigos, a alguns anos estavam sempre juntos, ao menos semanalmente. As famílias se respeitavam e se integravam muito bem, ou com poucas queixas.
Depois, as coisas começaram a mudar. Não sabe precisar exatamente a partir de quando, apenas sabe que foram movimentos graduais, constantes e gerais.
Pensa que o mundo hoje está tão confuso e perigoso, que parece que todo o mundo prefere ficar em casa a enfrentar todos os perigos que vê diariamente refletido nas notícias. Acha que não se deve facilitar.
Após sua separação, encontra imensa dificuldade em encontrar novas namoradas, pois parece que todas se isolam também.
Francisco sente-se só e está só.Desenvolve condutas de evitação do perigo através do isolamento social. Vive a fantasia de um mundo sem riscos que ele só encontra entre suas quatro paredes. Mas ali mesmo ele se sente insatisfeito, impotente, infeliz. E não sabe o que fazer. Sofre entre o desejo de estar fora desses muros e o medo que o impede.
Psic. Simone Mello Suruagy