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Indentificação com o Agressor

Expedito era um homem pacífico, ou sempre o fora, desde que se tem notícia.
Filho do meio de cinco irmãos, era o diferente. Os outros eram uns pestes, irritantes, exigentes. Recebiam gritos da mãe a toda hora, ás vezes algumas pancadas e , invariavelmente, a comparação : "Porque vocês não são como o Didi?" "Olhem as notas do Didi". "Didi, toma conta de seus irmãos, você é mais responsável". "Aconselha seu irmão a não sair com Fulano, que não é boa companhia". E coisas do tipo, que foram revelando e forjando uma tendência de estar sempre ao dispor, jamais se rebelar, de ser considerado por suas renúncias. O melhor filho, o melhor aluno, o bom.

Sua adolescência foi passada em cima dos livros. Poucas saídas, só uma namorada, paixão platônica de dois anos e por quem perdeu o interesse quando, num assomo de coragem, pediu em namoro e ela aceitou. Logo concluiu que namoro e estudo não eram compatíveis e esqueceu a paixão.

Passam-se os anos, Didi está na Universidade. Brilhante, como sempre, no desempenho curricular, o exemplo preferido dos professores, que se sentiam recompensados porque pelo menos um aluno se dedicava, ao contrário daquela corja de malandros e "filhinhos de papai".

Tinha amigos, vários. Aliás, amigos é termo relativo. Muitos precisavam dele e dependiam dele para as coisas mais diversas, desde estudar por eles a ser o relator de um trabalho de grupo, no qual só um estudava e todos dividiam as notas. Ou ser o escolhido para sair quando alguém furara o programa. Era o pau para toda a obra que jamais reclamava ou fazia corpo mole. "Deixa que Didi faz isso, ele é tão bonzinho!"

Pacífico ou passivo é um assunto a considerar. Pelas costas, alguns o chamavam de "mosca morta" ou de "choque elétrico". Isso porque ele tinha um tique, do qual não conseguia se livrar, que o levava a sacudir a cabeça incontrolavelmente, mesmo que por segundos, como se estivesse dizendo um "não".

Formou-se e arranjou um bom emprego. Aliás, um emprego numa companhia sólida, mas na qual recebia salário inferior aos colegas com o mesmo cargo.

Era o primeiro a chegar, o último a sair. Nos fins de semana, era um tal de levar trabalho para casa e receber telefonemas do patrão.

Ninguém o nomeava Dr. Expedito, era sempre o Didi, Seu Didi ou, para raros subordinados, Dr. Didi.

Casou, sim. E teve 2 filhos. Estes não davam trabalho porque quem tinha autoridade com eles era a mãe.

Ela era uma mão de ferro, sempre pronta a repreender e criticar, não só aos filhos quanto ao Didi. Este, trabalhava mais, chegava cada vez mais tarde em casa - pelo acúmulo do trabalho, lógico - , seus tiques se acentuavam e também as queixas da mulher.

Um dia, sofreu um assalto. Dois bandidos o ameaçaram com um revolver e pediram dinheiro. O que fazer?

Ao contrário de sua conduta habitual, Didi foi expedito: enfrentou os ladrões, apanhou muito e levou um tiro na barriga. Dias no hospital, septicemia, risco de vida. Mas Didi era persistente e sobreviveu.

Só que ali nascia outra pessoa, muito diferente da anterior. Passou a pensar constantemente nos bandidos que o atacaram e a sentir ódio deles. Imaginava mil coisas que poderia ter feito, pensava em matá-los e de que forma. A sua criatividade não tinha limites. Falar sobre o assunto? Não, não mudara até esse ponto. Foi saudado por chefes e colegas como o velho Didi que estava fazendo tanta falta. E a vida continua, com se tudo continuasse igual, só aquele mundo interno fervilhando e cobrando novas posturas. O reprimido ao longo da vida explodia, ocupando espaços inesperados e paradoxais.

Foi quando, estando na rua, ouviu gritos : "Ladrão, pega !" Didi não pensou duas vezes. Aliás, nem uma. Saiu em desabalada carreira atrás do homem, atrás dele a Polícia, enquanto que pessoas se jogavam no chão, portas de loja se fechavam , um salve-se quem puder. Tiros, vários, Didi parecia surdo. Só parou quando viu o ladrão seguro pelos policiais e teve o prazer de dar-lhe um chute. "Foi o senhor o roubado?" Perguntavam as pessoas e se admiravam com tanta valentia diante da negativa. "Faltam pessoas assim",

Didi conseguiu ouvir.

Voltou para casa com uma desconhecida sensação de triunfo. Não contou o que acontecera, mas a mulher percebeu que ele reagiu com menos paciência às suas reclamações. "Será que ele está doente?", pensou. "Vai ver que tem trabalhado demais." E resolveu deixá-lo em paz um pouco.

Didi decidiu comprar um revólver. Nesses dias, pensava, ninguém podia andar desarmado, é um risco. Dirigia com a arma escondida em baixo do banco, sentia-se mais seguro assim. Mas, uma arma era pouco, aliás aquela era grande poderia dar na vista. Comprou outra menor e mais outra que podia esconder por baixo da meia.

Saía pelas ruas, como sempre. Só que parecia farejar o perigo. Corria atrás de bicicletas e motos de assaltantes, era conhecido de muitos policiais, com os quais conversava e ouvia os relatos. Depois, passou a trocar experiências, já tinha as suas para contar. Todos já sabiam dessas façanhas, e Didi passou a ser tratado com uma certa reverência. Por trás, alguns diziam que ele estava doido, que iria acabar mal. Mas ninguém ousava dizer isso a ele, como ele reagiria? Outros o estimulavam. Diziam que a sociedade estava indefesa, os poderes públicos não defendiam o cidadão e que ele estava muito certo. Essas benditas palavras tinham um efeito enorme em Didi, muito mais agradável que os antigos elogios à sua bondade.

Claro, quanto mais gostava mais queria ouvir e para ouvir mais elogios precisava de novas aventuras.

Começou a ler sobre crimes. Quanto mais sangrentos, mais interessantes. Só lia as páginas policiais dos jornais, sabia de tudo nessa área, um especialista.

Em casa, a mulher falava mais baixo. Até, milagre, solicitava a sua opinião. O chefe, sem que nada lhe fosse reivindicado, melhorou o seu salário e raramente o solicitava nos fins de semana. Os colegas o olhavam de outra forma , como se ele fosse meio estranho, corajoso e ameaçador, uma pessoa que ninguém sabia bem como iria reagir e que era melhor respeitar. Afinal, todos viam aquele volume na meia. Passou a ser, para todos, o Dr. Didi, inquestionavelmente.

Estava em casa com a família, uma noite. Não sabe como, um ladrão entrou no quarto do filho, que gritou. Enquanto a mulher correu para ajudar sem saber o que estava acontecendo e o outro filho, com medo, escondeu-se embaixo da cama , Didi pegou armou o revolver e foi, devagar e silenciosamente, em direção ao quarto do filho.

Encontrou o ladrão segurando e ameaçando com sua arma a mulher e o filho :

"Quem gritar, morre. Onde está o dinheiro?"

Didi não pestanejou. Deu apenas dois tiros. Um atingiu o ladrão.
O outro matou o filho.


Simone Suruagy - Psicóloga

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