Infantilização e Dependência
Imagine um jogo entre duas pessoas. E imagine que este jogo é perpetuado através do tempo, sem que nenhuma delas tenha a menor consciência de sua existência.
Maria e João casaram-se após um breve namoro, apaixonados e sem questionamentos. Toda atenção de ambos era voltada para o amor eterno e para os preparativos de casamento. Estavam embalados no sonho de uma escolha perfeita e mágica e de um futuro perfeito.
Os filhos vieram cedo. Maria renunciou aos planos de trabalho, enquanto João cada vez mais mergulhava no seu.
O afastamento foi progressivo, pela simples concentração de interesses: filhos para ela, trabalho e amigos para ele.
Passam-se os anos, o afastamento é cada vez maior, cada qual envolvido em seus problemas. O trabalho de João era absorvente, retroalimentado pelo sucesso que o tornava admirado e respeitado em seu meio. Maria vivia com dedicação a vida dos filhos e estes ficavam cada vez mais independentes. Maria não estava preparada para isso e não sabia o que fazer. Tentou algumas saídas, viagens, amigas, compras e comida compulsivas, mas nada preenchia aquele vazio interior.
O marido? Dava o que podia dar: dinheiro e uma irritação progressiva com as cobranças e a tristeza da mulher. Aquela que, antes, era bela, atraente, feminina, engordara, vivia em constante lamentação e insatisfação, fora-se o apelo sexual e o carinho que o atraíram antes. Não, ele não agüentava aquilo! E trabalhava cada vez mais, cada dia mais longe da família.
Maria, por orientação de uma amiga, procurou uma psicoterapia. Começou a trabalhar sua dependência, seus valores enterrados pelo comportamento infantilizado de buscar atenção como o fizera desde criança: precisava de alguém que afirmasse o seu valor, sentia-se aquilo que os outros achavam que era. Foi mudando, física e psiquicamente, de forma insegura no início, depois cada vez mais firme. Voltou aos estudos, descobriu novos mundos neste autoconhecimento. E descobriu algo que desconhecia: a felicidade do auto-respeito.
Bem, o mundo interno de João sofreu um impacto, ele não estava preparado para viver sem
alguém que dependesse dele. Ele dependia dessa dependência, era forte na medida em que Maria fosse fraca. Tomou consciência do valor de Maria na medida em que sentia o medo de perdê-la. Sentiu-se, enfim, como uma criança que perde a mãe.
Para um casal, não pode haver jogo sem que os dois participem. Este jogo pode durar toda uma vida, mas, se um sai do jogo e, por exemplo, abandona a infantilização e cresce, o outro fica entre duas hipóteses: ou sai também do jogo e amadurece ou permanece nele e encontra outra pessoa que seja vulnerável. Repete então, indefinidamente, os mesmos passos.
Psicóloga Simone Mello Suruagy