AMBIVALÊNCIA
Entrava no hospital psiquiátrico quando um casal se aproxima.
Idosos,curvados, davam a impressão de que um amparava o outro, tal a forma que se apoiavam um no braço do outro.
Ela fala: -"Doutora, meu filho único está aí há anos. Chama-se José (nome fictício), está na enfermaria tal. Por favor, ajude, precisamos muito".
Fiquei tocada pela fragilidade daqueles dois e, alguns dias após, encontro o filho. Trinta e dois anos, diagnóstico de esquizofrenia, incontrolável com
os medicamentos habituais, que eram aumentados quando ocorriam as crises.
Nestas, ele agredia fisicamente outros internos e enfermeiros e recebia contenção física e medicamentosa.
Tivemos uma aproximação breve, que se foi ampliando. Sempre notava esta contradição: às vezes ele se comportava de forma lúcida, sensível, equilibrada. Outras eu o encontrava amarrado a uma cama, sedado por medicações.
Também era abordada pelos pais à entrada ou saída do hospital, e notava a mesma preocupação.
A José era permitido, uma vez por mês, um final de semana em casa dos pais do qual sempre retornava com os sintomas bastante acentuados. Resolvi pesquisar.
Fui a casa deles em duas dessas "folgas" e encontrei o quadro seguinte: um apartamento de quarto, sala, banheiro e cozinha. O quarto e o banheiro ficavam frente a frente em um pequeno corredor, que dava para a sala, também pequena, onde havia um sofá, no qual José dormia quando estava em casa.
Entre a porta da cozinha (sempre fechada) e a do corredor estava uma poltrona, onde o pai ficava sentado e tinha uma visão de todo apartamento, também de onde inspecionava e interferia em todos os movimentos do filho.
Sim, naquele lugar não havia lugar para José.
O quadro foi-se acentuando, a tensão familiar e hospitalar também, até que uma investigação mais aprofundada descobriu que a agressividade era
resultante de problemas neurológicos. Feita a modificação medicamentosa, mudaram conseqüentemente os sintomas e o comportamento. Sim, ele agora podia
voltar para casa e não, lá não havia "espaço" para José.
Modificava-se o quadro e mudavam as peças naquele tabuleiro de xadrez.
Os pais optaram por deixar o filho no hospital, já que as crises familiares se acentuaram. O hospital fornecia os medicamentos e virou a "casa" daquele paciente crônico. Lá ele podia auxiliar em pequenos serviços, só não podia sair. Os pais não mais apareciam à porta do hospital. Fez-se a "paz". Quem ganhou o jogo, quem perdeu?
-Ambivalência -
Nem sempre há coerência entre nossos sentimentos, pensamentos, desejos ,possibilidades e atitudes. Às vezes sentimos culpa por pensar ou desejar coisas que nosso lado racional abomina. Pior, essa culpa nos assalta como se realmente tivéssemos feito aquilo que condenamos. Então, as nossas atitudes são conflituosas, tanto com o que desejamos e não podemos fazer quanto com o que fazemos, já que não queremos racionalmente fazê-lo.
Resta, então, um processo circular, ambivalente. Não podemos executar o que desejamos nem parar de desejar o que não podemos fazer. Nossas atitude tornam-se incoerentes, tanto com o que fazemos ou não, e a culpa independe do que façamos. Há muito sofrimento, confusão.
É necessário que haja equilíbrio entre esses lados desconhecidos do nosso eu.
Precisamos assumir o controle de nossas opções. Sim, é possível. A psicoterapia é um caminho.
Psicóloga Simone Mello Suruagy